
É documentário, e confesso que é muito difícil escrever a vida como vós quereis...
É difícil, Senhor, escrevê-la quando não se é escritor,
quando nunca se aprendeu tal ofício.
Mas a vida não se aprende:
Toda vida é um romance novo, único no gênero, sempre obra de primeira mão. É difícil, Senhor, não poder copiá-lo, pois vós não aceitas plágios. É difícil, Senhor, não poder corrigi-la. Dela não podemos arrancar páginas mal escritas, ou apagar alguma coisa. O que escreví ficará sempre escrito. O que eu posso é manifestar meu arrependimento, escrevendo páginas melhores. É difícil, Senhor, seguir este ritmo da vida que me leva inexoravelmente
adiante...
Mas obrigado, Senhor, por retratar-me das páginas passadas
em cada nova página que escrevo.
É difícil, Senhor, ir virando as folhas, dia por dia,
na angústia de não saber o dia da entrega do manuscrito...
Mas não seria, Senhor, mais angustioso ainda saber o dia e a hora? É difícil, Senhor, não sabermos quantas folhas em branco nos restam para desenvolver satisfatoriamente o tema... Um dia qualquer vós me tomareis a caneta das mãos e escrevereis debaixo do meu último rabisco: Fim. É difícil, Senhor, não poder reclamar, então: "Ainda não terminei...", porque há sinfonias inacabadas que são obras primas e há existências longevas que nunca acertaram o tema. Tive pena do tempo perdido... Mas, Senhor, não tivestes minha vida, a cada instante, em vossas mãos?"
Rabindranath Tagore