
Canção Amiga
"Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que falem como dois olhos.
Caminho por uma rua
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
E saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavra
se tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
Os ombros suportam o mundo
(Sentimento do mundo)
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem a porta, não abrirás.
Em vão mulheres batem a porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És toda a certeza, já não sabe sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa velha a velhice,
Pouco importa velha a velhice,
que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertam ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
Preferiam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é um ordem.
A vida apenas, sem mistificação."
Drummond